Histórias de Moradores de Embu das ArtesEsta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.
A poesia está no sangueSinopse: Em seu depoimento, o poeta e produtor cultural, Ayrton Félix Olinto de Souza, o Zinho Trindade, comenta sobre o legado de artes na família, comenta sobre sua infância, as brincadeiras nas ruas e como começou a gostar de literatura e escrita. Meu nome completo é Ayrton Felix Olinto de Souza. Eu tenho dois registros, um com Ayrton Felix Olinto de Souza, que é o que está no RG e na certidão que eu fui achar depois, antes quando eu fui registrado, está Ayrton Felix Olinto Trindade de Souza. Nasci em 18 de maio de 1973, em Embu das Artes. Um avô meu se chamava Ayrton, pai da minha mãe, e o meu bisavô, que na verdade era casado com a minha bisavó, que não era meu bisavô de sangue, se chamava Felix. Em homenagem a eles meu nome ficou Ayrton Felix. E era Ayrtonzinho, Felizinho, eu sei que ficou só Zinho assim, pronto. O meu pai se chama Vitor Israel Trindade de Souza, o nome artístico dele é Vitor da Trindade, e ele é músico. A minha mãe se chama Mari Pereira Olinto, dona Mari como eu costumo chamar, e ela é dona de casa. Eu trabalho com a minha avó, eu vivo com a minha avó, eu vou na casa dela roubar o almoço. Dona Raquel é uma figura espetacular. A minha bisavó que casou com meu bisavô Solano se chamava Margarida da Trindade, eu cheguei a conhecê-la, inclusive ela fazia aniversário junto comigo, no dia 18 de maio também. Ela faleceu no final dos anos 90. Solano Trindade foi pintor, teatrólogo e foi conhecido também como “poeta do povo”, foi um dos maiores poetas negros que o Brasil já teve e tem uma poesia muito viva. A casa que a gente morava em Itapecerica, era do lado do Embu. O teatro fica nessa rua onde minha avó mora, o teatro é na frente. Então a gente, por exemplo, ia brincar de pega-pega. Era um barracão na época, então as janelas eram abertas, era de pau a pique. Então: “Onde vale?” “Vale até a quadra ali e o teatro”, esconde-esconde vale o teatro, polícia e ladrão vale o teatro, o morro, a cadeia era no portãozinho do Junê, ali, e valia isso. A gente sempre brincava no teatro, a única coisa que não podia era mexer nos figurinos, não podia pegar o figurino porque senão dava briga com a minha avó. Nem mexer nos instrumentos. Mas quando era o horário de ensaio eu via os instrumentos, o figurino. Eu aprendi meio que nos dois, eu lia um pouco em casa, um pouco na escola. O que me incentivou muito a ler foi revistinha, Turma da Mônica, Chico Bento, Cascão, gostava muito de ler história do Cascão, Chico Bento e me interessei muito por isso. Meu avô Aurino também tinha um bar em Embu, chamava Mais Embu, era um dos bares mais frequentados e ele tinha um acervo enorme de revistinha no bar. Tinham jogos lúdicos e tal, revistinhas e tal. Eu pegava e ficava lendo revistinha. Eu lembro que eu li muita revistinha. O primeiro livro que eu li foi A Bolsa Amarela. Eu escrevia algumas coisas e na verdade a minha aproximação com a música vem com o rap. Porque a partir do momento que eu comecei a cantar rap, entrou na fase da adolescência, comecei a fazer umas rimas, a brincar, escrever e começou. Eu lembro que a minha primeira letra que eu tentei fazer foi depois que eu li uma matéria sobre o massacre do Carandiru. Eu li essa matéria sobre o massacre e fiquei impressionado: “Vou escrever uma letra sobre isso”. Mas já fazia umas rimas na escola, brincando. Escrevi. E fazia uma rimas, era ano 97, 98, estava entrando no primeiro colegial. Eu fiquei brincando de fazer rima até os 21 e com 21 que eu comecei a trabalhar sério esse lance de MC, de pesquisar, de procurar saber sobre o rap e tudo o mais. E começaram os trabalhos. Porque eu tive uma fase meio conturbada na adolescência, foi dos 16 aos 18, eu dei uma atrapalhada aí. Mas depois eu mudei o rumo de novo, com 20 anos eu me arrumei. Eu comecei a frequentar o Sarau do Binho. Naquela época não tinha quase nenhum sarau ligado à periferia, tinha Cooperifa e o Binho. Só. Lógico que tinha outros saraus e tal, mas da quebrada, da periferia, pode falar o que for, que eu me lembro só tinha o Binho e a Cooperifa. E eu lembro até que nesse mesmo dia o Jairo, ele pegou e falou: “Pô bicho, você tem que conhecer o Sarau da Cooperifa, você tem que ir lá e tal, é numa quarta-feira”. Eu ainda demorei pra ir na Cooperifa, uns três meses indo no Binho, até ir na Cooperifa. Quando eu fui na Cooperifa eu lembro que eu fui com uma amiga minha que morava ali perto, ela conhecia a Piraporinha. O legal é que os saraus cresceram muito, cara, de um tempo pra cá. Isso eu estou falando em 2004, 2005. Em 2006 já tinha mais saraus, eu lembro que em 2006 já tinha Sarau da Brasa. Não sei se eu estou me enganando, acho que já tinha sim, eu acho que o Elo da Corrente já tinha em 2006, o Sarau da Brasa, se não tinha em 2006, em 2007 é certeza que ele já tinha. O Burro acho que é 2008, 2009 já. Mas foi nessa época que começou esse negócio de sarau a dar uma expandida. Eu sei que foi de 2010 pra cá. Antigamente você podia contar assim: separa sua segunda e quarta que tem sarau. Depois é segunda, quarta e quinta, que era o do Elo da Corrente que era em Pirituba. Depois o da Brasa, que é de sábado. Apareceu um lá, como é aquele sarau que tem na Cidade Ademar. Sarau do Ademar. Vem o Sarau do Ademar. Depois eu já comecei a ficar meio tonto, hoje em dia eu já não tenho mais noção, eu sei que tem sarau todo dia. O Sarau do Buzo mesmo é 2008. E eu sempre frequentei esses saraus, sempre procurei, tanto que o meu livro eu lancei em quase todos os saraus que eu pude. O livro “Tarja Preta” eu saí escrevendo. Eu guardo muita coisa, eu escrevo tudo a mão, eu tenho esse problema, eu não uso muito a tecnologia, eu não confio na tecnologia. Eu conheci o Berimba, lembro que eu vi eu falei: “Vou começar a escrever umas poesias também, vou sair pra vender, porque vou ganhar um trocadinho, pelo menos se eu vender dez poesias a um real já fiz dez contos. São dez contos, já tenho uma grana”. Dez contos tantos anos atrás dava pra você fazer alguma coisa. Eu comecei, inclusive um pessoal do Resta Maloqueirista estava começando, eles me chamaram pra participar, eu acho que eu participei da primeira Resta. E o Berimba virou meu parceiro, o Caco. E em 2007, 2008 a galera começou a lançar livro, que antes como eu falei tinha só essa galera que tinha livro. O Sarau da Kambinda a gente começou ele há dois anos, vai fazer dois anos agora em julho, e comecei pra fortalecer a poesia no Embu. O Embu, apesar de ser conhecido como a cidade de Embu das Artes, a arte com o tempo se perdeu muito. Ela foi muito forte, muito resistente, movimentos e tudo até os anos 90. Depois dos anos 90, com o industrianato e tudo o mais, e os próprios artistas, o tempo foi passando, faleceram muitos, tem pouquíssimos hoje dos anos 60, porque o tempo passa. Então se perdeu muito. Com isso eu falei: “Pô, vou fazer um sarau aqui no Embu”. Fiz em homenagem à minha avó, a gente faz no Teatro Popular Solano Trindade, é uma vez por mês, toda primeira quinta do mês, às oito horas da noite. Sempre tem o lançamento de um livro, alguma apresentação especial de teatro, dança, música, mais o lançamento do livro. E a galera do Embu, os jovens hoje e os antigos, todo mundo se encontra lá pra recitar poesia. |
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